“Dentro da obra regional, é do dom evocativo que impressiona, é a qualidade de experiência que retém o leitor vaqueano, a perder-se por gosto em todos os atalhos da recordação.” Augusto Mayer, Prosa dos Pagos.
Falar do gaúcho é rasgar a visão interior, enquadrada na moldura da história: na perna de cada letra há sugestões para o leitor fantasiar, o amigo pachola, o fumo crioulo bem “palmeado”, a fumaça de um fogo de chão que escreve no ar as imagens indecifráveis de um texto vivo que os olhos apalpam e o ouvido reproduz, buscando seu eco no poço da memoria.
Pingos de cola atada, uns atados em argolas outros maneados, laços a bate cola, malas e ponchos nos tentos; nos cantos do galpões deitados os guardas infalíveis, inigualáveis companheiros do gaúcho de todos os momentos, os cachorros. Os maribondos zunindo, abrindo seus túneis no madeirame bruto das casas e galpões; os “bico chanchão” batendo martelo pelos oitões; as caturritas reunidas nas alturas dos arvoredos; um ovelheiro cavocando na sombra de uma árvore, buscando lugar fresco para deitar; uma galinha que chateia depois de botar o ovo. De tempo em tempo um terneiro berra e a mãe responde; um cavalo na sombra pateia uma mutuca; o zinco do galpão estala.
Histórias em rodas de mate, que transbordam de bocas duras e carinhosas; vestígios vivos moldados no barro das mangueiras, muitos ainda arrastam esporas, atravessando o tempo num passo decidido, o gaúcho firme nos arreios, “acavalo” soberbo como outrora, ou de tirador e armada pronta na saída da mangueira para um pealo de “cucharra” e a farra da gauchada apertando. Uma nuvem branca, a qual sua sombra forma um capão escuro no verde sol da canhada, manchas vivas de gado, mosqueando, ao longe, na várzea, mudando a cada momento o efeito; o concerto alegre e animador dos pássaros, saudando a aurora numa contagiante alegria.
Tudo isso abre, no fundo da lembrança, uma várzea para o sol entrar, quando o cheiro dos pastos verdes é mais ativo e os banhados refletem uma resga de céu mais profundo.
Essas imagens campeiras, dessa paz, havia ao todo o mistério da hora que passa. São origens de uma raça que não cabe em livros, e fica sobrando na página composta. Algumas manifestações que invadem a alma dos puros e de pessoas que zelam pelo nosso folclore.
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