quinta-feira, 6 de maio de 2021

O conto do Vigário - Adaptado por Severino Moreira

 

   Se bem me lembro, em certa feita contei um causo, que, esta no livro “À Beira do Fogo”, e traz como título “Aí já são outros quinhentos”, causo esse que fala justamente desse ditado tão comum, que quase todos usamos, mas posso afirmar que pouca gente sabe a verdadeira origem dessa expressão.

    Pois foi um amigo de nome Carlos Roberto e apelido “Mineiro” “lá das” Minas Gerais que, certa feita, andou changueando em uma firma aqui por Candiota, e me contou o porquê desse ditado. Na ocasião, lhe atiçou a ideia de contar o tal causo, usando personagens da minha querida Santaninha da Boa Vista, pois tinha o intento de me “apoquentar”. O vivente me disse que tinha acontecido por lá, mas eu tenho certeza que só fez isso por saber ser essa a minha querência de nascimento, um lugarzito sagrado que tenho uma saudade véia cuiuda.

    Desta feita, esse amigo me contou a origem de outro ditado muito conhecido e usado sempre que alguém “calavereia” alguém, ou seja. Aplica o famoso “Conto do Vigário”.

    Da mesma forma, para melhor florear a história, eu vou contar este causo como se tivesse acontecido também em Santaninha, embora também possa afirmar que aconteceu em outro lugar muito distante, talvez até lá na terra do meu amigo da qual eu nada conheço além daquilo que me contou, enquanto que de Santana eu conheço cada cerro e cada grota.

    Pois haveria de ser que o povo de Santaninha, com a idade avançada do padre Julio Marins, estava esperando a um bom tempo por um padre novo, para tomar conta da paróquia Santa Ana e da fé daquele povo muy religioso e devoto a sua querida padroeira.

    Certo dia chegou montado num rosilho meio magrerote o tal vigário que se apresentou para tomar conta da igreja.

    Com certeza não tinha cara nem jeito de padre, mas vinha “pilchado” na sua batina preta e com o poderoso livro sagrado nas mãos. Isso bastou, para que aquela gente simples e trabalhadora lhes recebesse e tratasse com o mesmo carinho e respeito que sempre haviam tratado o “padre véio”.

    Assim o padre novo assumiu a igreja e posso afirmar que aquele povo nunca viu um padre tão “pedinchão”. Uma vaca para um, uma ovelha para outro, uma leitoa para outro mais e assim de “grão em grão”, ou de “bicho em bicho”, quando o povo se deu conta o “vigário” já nem morava mais na casa ao lado da igreja, tinha uma ponta de gado, um lote de ovelhas e arrendava três ou quatro quadras de campo.

    O “Home tava quase rico”. Tudo em nome do “Patrão Santo” segundo dizia.

    O patrimônio ia aumentando e a “esperteza” também. Enquanto que a vergonha ia sumindo. Fazer negócio com o “vigário” era prejuízo certo, pois o danado lograva todo mundo.

     Ovelha só vendia na balança e em dia de chuva, pois assim o comprador pagava até a água que encharcava a lã. 

     Quando vendia um gadito, o comprador tinha que tomar muito cuidado para ver se não era animal pesteado ou de procedência duvidosa, pois era comum sumir terneiros da vizinhança, sempre aparecendo um de pelagem igual com a sua marca.

     Por fim todos já sabiam que era de fato um “calavera” escondido numa batina. Até mesmo o delegado sabia disso, mas de que maneira provar alguma coisa contra o homem, que era de fato um “sorro ladino”, desses que não deixam rastro e nem pêlo em fio de arame.

     Bueno, mas por vezes até o “sorro” esperto cai na trampa e não seria o “vigário” o único a sair sempre de lombo liso.

     Pois certa feita correu de boca em boca a notícia de um vivente cego de nascença que havia herdado uma quadra e pouca de campo e, mesmo sem conhecer “porqueira nenhuma” da lida, tinha interesse em comprar uns cinquenta novilhos para engorde. 

   O “Vigário” viu desta feita o grande negócio de sua vida, afinal para quem lograva tanta gente esperta, lograr um cego e “maturrengo”, era por certo mais fácil que tomar caramelo de criança.

     Encilhou um cavalo e se foi ao rancho do vivente cheio de lábia oferecer a boiada, embora a metade dos que tinha não passasse de uns “terneirotes” pouco maiores que um “cusquinho sotreta”.

     Foi assim que acertaram o negócio. Tudo na palavra, sem mesmo revisar o tal gado e o pagamento em dinheiro vivo. “cem contos de réis” cada novilho. 

     No dia marcado, chegou o “pobre cego”, com um gurizito tocando o cavalo do “Faito” levando ainda dois campeiros para tropear o gado até seu rancho. 

     Numa sacola levava o dinheiro e o recibo pronto para o vigário assinar.

     O “Vigário” olhou o recibo que dizia estar recebendo pela compra de 50 bois a quantia acertada, num total de “tantas” notas de cinco contos cada.

     Olhando na sacola meio aberta que o cego trazia, viu que o volume era grande e deveria ter mesmo a quantidade de notas, só que as notas que viu eram de “dez contos” e não de cinco e assim “Se lhe relampeou a cobiça”, pois pelo volume de dinheiro, era visto que na infelicidade da cegueira o coitado, havia pegado notas de maior valor.

     Enfim. Que remorso haveria de ter se o vivente além de cego era muy burro e tinha lhes dado tamanha facilidade pagando por vontade própria o dobro do valor.

     Bueno. Passaram-se alguns meses e começou a aparecer dinheiro falso por lá e o delegado dê-lhe, que dê-lhe a procurar de onde vinha esse dinheiro, até que numa feita algumas notas de “dez contos”, apareceram na mão de um vivente conhecido por decente, mas que tinha vendido meia dúzia de borregas para o vigário.

     Tinham achado o “rastro do sorro” e assim numa tardezita “garuosa” o delegado e meia dúzia de praças, se foram ao rancho do vigário dar uma revista e dessa forma, descobrir no forro de um baú um punhadito regular de dinheiro falso. 

     O vivente era tão “calavera” que não se fiava nem no banco, preferindo guardar os pilas no baú chaveado ou no forro do colchão.

De fato havia o dinheiro falso, mas o homem disse que era da venda dos 50 novilhos para o fazendeiro cego e que nem imaginara que poderiam ser falsas as notas.

      Certo de se livrar daquele enrosco, afinal o dinheiro falso era de fato da venda desses bois, se foram ao rancho do cego, mas desta feita o vigário “botou um culo clavado”, pois o cego de pronto apresentou ao delegado o recibo assinado pelo comprador.

     Conforme “tava assentado” no recibo, havia pago com notas de “Cinco Contos” e as notas falsas que existiam eram de “dez”.

     Bueno. Para arrematar este causo, com a prisão do “vigário” descobriu-se que o verdadeiro vigário tinha morrido na beira de um arroio “mordido” por uma “cruzeira” e o “calavera” que na verdade era um índio desclassificado fugido da cadeia, tinha encontrado o corpo do coitado e assumido o seu lugar.

     Segundo meu amigo “Mineiro” o verdadeiro “Conto do Vigário” foi esse. “Um cego” que passou a perna em um índio conhecido por “Olho Grande”, que desta feita levou uma “rodada” mais feia que “um culo clavado”.

     Bueno. Mas por falar em ditados, esse causo nos dá a ideia de outros dois muito conhecidos, que nos dizem que “olho grande é só para criar remela” e, “O pior cego é o que não quer ver”, pois sim. Esses dois eu ainda vou tentar descobrir de onde vieram, mas quanto a esse do vigário eu só posso dizer...

- “Orre bem feito”!


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