Como forma de preservar e
valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar
o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o
conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza
o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado
um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto
local.
Quem traz o conto de hoje é
Fátima Gimenez
Entrevista
com o cantor, compositor, pesquisador e escritor Juliano Javoski:
Quando eu era “gurizote”, lembro que meu avô e eu, mais uma turma “gostavam” de caçar tatú. A gente morava prá fora, na periferia de Butiá, praticamente a zona Rural de Butiá. E íamos volta e meia sair prá uma caçada.
Numa dessas fui eu, meu avô, o falecido Almedorino, o Alcides Carvalho que tocava pandeiro e era gari da Prefeitura e também o “Perneta” que se eu não me engano era o Adalmir. Eu era o menos vaqueano ali, com certeza o mais vaqueano era justamente o Alcides. E saímos numa noitada, batemos casco acho que umas três, quatro horas e pegamos um monte de mulita!
Viemos com dois ou três sacos cheios de mulita. E na volta se “perdemo” porque era de noite e no meio da escuridão tinha um eucalipto enorme e um capão de mato na volta também! Não era fácil! Só sendo muito vaqueano mesmo.
Então tá! Perdidos e acho que caminhando em círculo,
daqui há pouco fomos parar num banhadal, te falo de atoleiro, um pajonal, já
quase clareando o dia, nós conseguimos sair e depois de andar mais uns 50
metros chegamos lá na outra ponta. Teve gente que perdeu alpargata, chinelo e
tal. O “Perneta” perdeu a alpargata e o Alcides muito prestativo disse:
- Peraí que eu vou ali achar.
E dizendo isso
se atirou no barro, começou a catar e achou a alpargata do Perneta e atirou lá
na grama. Não satisfeito, quis completar o favor. Voltou pro barro e começou a
procurar, quando perguntaram a ele:
- O que tá procurando, Alcides?
- Tô
procurando o outro pé!
E aí o Adalmir
Perneta grita de longe:
- Alcides! Eu
só tenho um!
“Cada um
com seu Fascínio”
A tarde
parecia inexistir, parada no tempo, em virtude da calmaria que pinta naquele
recanto onde vive Josué. Ele pega um livro, uma cadeira confortável e se
põe sob a sombra mais fresca do pátio. Respira o silêncio e degusta página a
página daquela obra maravilhosa que lhe abre a cada parágrafo um mar de
imaginação. Mergulha num emaranhado de imagens que lhe fascina e com isso
isola-se do mundo exterior. Já não sente
os pés descalços sobre a grama milimétricamente cortada. A brisa refresca seu
rosto com suavidade, sem conseguir trazê-lo à tona. Está imerso em
parábolas e metáforas, sentindo a alma decifrar poeticamente aquelas imagens
genuínas e magistrais, quando de repente é trazido ao mundo real por um vizinho
que nada alegremente em sua piscina a duas casas da sua e grita fascinado:
- Que vida
boooa!!!
Josué tira os olhos do interior da página e pensa
quase em sussurros, que bom, há um vizinho feliz com a vida que leva. Volta para o miolo do conteúdo que lhe entra
pelas retinas, mas em menos de cinco minutos ouve novamente a mesma exclamação,
vinda da mesma direção, expressa pela mesma voz. Sem tirar os olhos da página: o vizinho
realmente está feliz pela vida que Deus lhe deu, ou o diabo... e continua sua
proveitosa leitura. Quando chega ao fim da próxima página ouve mais a
repetitiva frase, já não se alegra com a felicidade do outro. Na metade da
seguinte, outra vez, o que está se tornando molestador e já não lhe deixa
continuar imerso no tema fascinante que o autor daquela obra lhe entrega, sem
exigir nada em troca, haja vista que o magnífico é um presente da sua
amada... Ao virar a página, começa a ouvir o barulho do papel, algo imperceptível
até então, por estar concentrado no tema do livro. Ao iniciar a primeira frase de um
deslumbrante parágrafo ouve novamente aquela voz retumbante em seus
ouvidos:
- Que vida boooa!!!
Josué fecha o livro, deixando um dedo como
marca página, levanta da cadeira e silenciosamente invade o pátio do vizinho
que, estupefato observa calado o invasor. Senta-se a beira da piscina, põe os
pés dentro d’agua, pega um copo de cerveja que está a borda, bebe num gole todo
o líquido, abre o livro e segue sua leitura em voz alta, no mesmo tom e volume
da exclamação do vizinho feliz. Lê um parágrafo, olha bem no olho do dono da
casa e grita:
- QUE LIVRO
BOOOOOOM!!!
Levanta-se e sai em silencio, tal como
chegou.
- Paulo de Freitas Mendonça
(Poeta, pajador, compositor, declamador,
apresentador, roteirista, produtor e estudioso da cultura latino-americana.)
Por Francesca Mondadori
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