Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares
do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional,
bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de
Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final
do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e
elaboração de um conto local.
Quem traz o conto de hoje é de Pablo Cassio Soares Vaz
“O Morto da Produção”
O Santo Popular de Soledade - RS
Em 1965 em Soledade - RS acontece um
“Misterioso Assassinato”, um corpo sem identificação é achado às margens da
estrada da Produção (atual BR 386), desafiando a astúcia da polícia local e
comovendo a cidade inteira. Criam-se boatos que aumentam a fama do morto, mas
atrapalha o andamento do caso que continua sem solução até os dias de hoje, o
imaginário popular e interesses políticos criam várias versões sobre o fato e
elementos sociais ajudam a transformar um desconhecido em um Santo Popular.
A
Região de Soledade na década de 60 sofria fortes resquícios do coronelismo,
segundo José Murilo de Carvalho, “o coronelismo como sistema nacional de poder,
acabou em 1930, mais precisamente com a prisão do governador gaúcho Flores da Cunha,
em 1937. O centralismo estado novista destruiu o federalismo de 1891 e reduziu
o poder dos governadores e de seus coronéis. Todavia, os coronéis não
desapareceram por completo”, deste modo o desemprego e a desigualdade social se
acentuavam, com uma política autoritária e centralizada, tinha como algum de
seus resultados como afirma José Pinheiro (1965, p.5), a perda de seus
distritos que um a um se emancipavam abruptamente e deixavam chagas
irreparáveis na grande mãe. Sendo um município histórico onde sua emancipação
ocorreu no século XIX (1875), sempre foi encalço de várias histórias, lendas e
mitos, inclusive o que se diz dar início a povoação na região à chamada “Lenda
de Soledade”.
Assim
na oralidade popular se acentua as várias versões criando-nos inúmeros
“historiadores de contos”, desta forma a qualquer acontecimento sem explicação
na cidade, sempre se existia versões que explicavam e elucidavam o caso, não
sendo diferente ao objeto aqui estudado.
O
motivo pelo qual escolhemos esse tema seria para ter mais conhecimento da
trajetória deste homem que se torna um “Santo Popular”, após a sua morte, mas
em vida é um completo desconhecido, principalmente ao analisar a situação
política e social da década de 60, na região de Soledade. Assim, fazer uma
ligação para argumentar sobre o motivo que uma comunidade inteira se torna
devota de um estranho.
O
estudo é relevante, pois poderemos colocar um olhar novo sobre os resultados
políticos e comunitários na região de Soledade, a necessidade de identificação
de uma comunidade e seu escape social devido às intempéries da década de
60. Desta forma, analisando a situação
política social propícia para o acontecimento a nível regional comparando com o
estadual e federal.
Torna-se
viável esta pesquisa na forma em que o registro do personagem em questão está
em parte de posse do policial designado da época, este também contribuiu com
uma valorosa memória oral, e ainda os periódicos da época que relataram os
fatos. Somados as memórias orais de devotos e a possibilidade de encontrar o
processo do crime inteiro sobre o personagem estudado.
Não
encontramos informações sobre qualquer publicação acadêmica, apenas uma
publicação no livro Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul de Antônio Fagundes
(2009, p.42), que acreditamos ser de apenas memória oral, pois não há
referência alguma. Esta pesquisa anterior tentava buscar a vida antecedente do
personagem e não pontua a sua interferência social, a sua transformação quase
que instantânea e “milagrosamente” em santo.
Por
isso o método de pesquisa não se restringe a vida do personagem, mas sim tenta
explicar a ação dessa população que buscou em um desconhecido a solução para
seus problemas.
Em
relação ao imaginário social os títulos trabalhados são as Ideologias e
Mentalidades e de Michel de Vovelle, A Escrita da História de Michel de Certeu.
No
primeiro o autor compara as mentalidades e ideologias e considera seus pontos
em comum e suas diferenças, as mentalidades compostas de acordo com as
vivências empíricas e a ideologia mais elaborada criadas com o propósito de
dominação de classe, mas em comum descreve Vovelle
Todavia existe entre os dois termos uma indiscutível e ampla área
de superposição. [...] para alguns que as mentalidades se inserem naturalmente
no campo do ideológico, enquanto para outros a ideologia, no sentido estrito do
termo, não poderia ser senão um aspecto ou um nível no campo das mentalidades.
(VOVELLE, 1991, pag. 17).
O
autor ainda relata de um terceiro nível não marxista, que apesar de ser um
compromisso burguês tem preocupações coletivas.
Nesse investimento coletivo na historiografia dos países liberais,
[...] parece nitidamente ser a noção de mentalidade mais flexível,
desembaraçada de todo conotação ideológica, a parte premiada e mais operatória,
a melhor habilitada, graças à própria sutileza de que se reveste, a responder às
necessidades de uma pesquisa sem pressupostos. (pág. 18).
Mesmo
entre as diferenças entre mentalidade e ideologia e os vários pontos de vista
dos historiadores de acordo com sua linha de pesquisa Vovelle conclui a
importância da história das mentalidades
O estudo das mentalidades, longe de ser um empreendimento mistificador,
torna-se, no limite, um alargamento essencial do campo de pesquisa. Não como um
território estrangeiro, exótico, mas como prolongamento natural e a ponta fina
de toda história social. (pág. 25).
Desta
forma mostra-se a importância da história das mentalidades e sua aceitação como
história acadêmica cientifica, e transformar a história oral em escrita, muito
mais mistificada depois de passado a geração, mas não impossível de sua
veracidade.
Assim
como relata Michel de Certeu em a Escrita da história no capitulo a tradição da
morte onde é relatado “É necessário morrer de corpo para que nasça a escrita.
Esta é a moral da história. Ela não se prova senão graças ao sistema de um
saber. Ela se conta”. (CERTEAU, 3° ed., 2011).
Ainda
insistimos com a colocação de José Carlos Sebe Bom Meihy em o Manual de
História oral à seguinte conclusão
Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado
como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado.
A presença do passado no presente imediato das pessoas é a razão de ser da
história oral. Nesta medida, a história oral não só oferece uma mudança para o
conceito de história, mas, mais do que isso, garante vida social à vida dos
depoentes e leitores que passam a entender a sequência histórica e sentir-se
parte do contexto em que vivem. (MEIHY, 3°ed. 2000).
Depois
dessa visão da memória oral de mentalidades e ideológicas tão necessária para o
nosso projeto, pois a base são os relatos orais e periódicos, não podemos
esquecer a menção política tão atenuante nessa região que ajuda a distorcer
fatos e até criar outros.
A
necessidade de chegar ou manter-se politicamente no poder e a prejudicar
adversários de outros partidos leva a transformar um caso, considerado comum em
seu caráter de homicídio, a um desfecho político. Desta forma como relata o periódico
soledadense “O Paladino” em que menciona a acusação de uma família soledadense
pelo crime “segundo apurou nosso jornal pessoas inimizadas com Wanseslau Coelho
Portella e seu filho Mário, ambos residentes neste primeiro distrito, onde
gozam de ótimo conceito, procuraram incrimina-lo dando azo à instauração de
inquérito policial a respeito” (1965, p. 3) o periódico descreve, a seu
interesse, ser uma acusação falsa para com essa família de Soledade.
Como
relata Caroline Webber Guerreiro à violência política em Soledade é acentuado
em relação a outros municípios, este insiste em cultuar suas eras de
coronelismo como se fosse atual, indivíduo mandatário político usando-se de
vários meios para se manter no poder, assim influenciando todas as esferas da
sociedade, “Não se pode negar que as inúmeras práticas ilícitas, em grande
parte violentas, ligadas a tentativas de manutenção do poder de mando através
da vitória nas eleições tenham deixado sua marca na população de Soledade,
ocupando espaços no imaginário local"(GUERREIRO, 2005, p. 133).
Desta
forma exaltamos a influência política a casos que de fato seriam relevantes a o
meio criminal, mas dependendo da situação na visão do articulador certo, se
vira um grande trunfo político.
Por Francesca Mondadori
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