sexta-feira, 28 de abril de 2023

Contos do Curso de Formação Folclórica de 2022

 

Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.

 

O conto deste dia é de Maria Enildes Mauss dos Santos

 

O MISTÉRIO DA FAZENDA SANTO ANTÔNIO

A fazenda Santo Antônio está localizada no município de Tapes/RS, mais precisamente distante 04 Km do centro da cidade.

De propriedade de Eulália Bordagorri, a produção da fazenda era voltada ao beneficiamento de crina vegetal e sua venda para outras cidades e estados brasileiros. Lá havia um depósito onde a crina era armazenada até que as embarcações viessem buscar. Tapes era a maior produtora de crina vegetal da América Latina na época. Hoje é a maior produtora do Brasil.

Muitas famílias moraram na sede da fazenda por necessidade de trabalho, inclusive meus pais. E, todos que lá moraram relatavam os fatos estranhos que por lá ocorriam.

Tempos depois essa fazenda foi arrendada pela família Wolf, proprietária da empresa Mercantilarroz, que, na época, beneficiava e comercializava arroz através de seus Engenhos, todos situados às margens da Laguna do Patos, no centro da cidade de Tapes/RS.

Quando o senhor Adilino Barbosa foi nomeado capataz da fazenda, precisou mudar-se com sua família para a sede da fazenda. Isso ocorreu no ano de 1945.

Nesse tempo, a sede da fazenda era um casarão em estilo português, composto por vários cômodos, muitos quartos e uma sala muito grande, localizada bem no centro da casa.

Nas laterais da casa existiam figueiras muito antigas. Aos fundos ficavam os restos de senzalas, resquícios da escravidão, porém já em mau estado de conservação.

Na casa não havia luz elétrica, e a iluminação era feita através de lampiões e velas.

A família do senhor Lino, como era conhecido, era formada pela esposa, Sra. Marta Barbosa, que atuava como professora, e seus cinco filhos, sendo duas meninas e três meninos.

Sueldir, uma menina na época do conto narrado contava com 10 anos de idade, a mais velha dos filhos do casal, é quem nos relata os fatos que compõem esse conto.

 I - A CHEGADA À FAZENDA

Ao chegarem à sede da fazenda e ao adentrarem na casa, a então menina Sueldir teve sua atenção voltada aos quadros pintados diretamente nas paredes. Eram muito bonitos e retratavam paisagens.

Muito curiosa e observadora, logo viu uma imagem de Santo Antônio, de tamanho médio que ficava no quarto onde dormiriam os meninos. A imagem ficava sob a porta, num suporte, que mais parecia um oratório.

Em vista de não haver iluminação elétrica na casa, a família resolveu, então, que velas ficariam junto à imagem para que a casa não ficasse completamente às escuras no período noturno. Ela lembra que, para alcançarem a imagem, precisavam subir no encosto das cadeiras.

Quando a noite chegou, tudo parecia tranquilo, o que era muito bom já que aquela seria a primeira de muitas outras noites na casa da fazenda.

Porém, logo escureceu e algo estranho começou a acontecer. Os novos moradores da casa começaram a escutar um forte barulho de portas abrindo e fechando, o que assustou a todos, não os deixando dormir. Seu pai, preocupado com o ranger das portas, levantou-se e foi verificar se alguma porta havia ficado aberta. Mas para sua surpresa, todas estavam fechadas...

Essa situação ocorreu durante toda a noite e madrugada, fazendo com que todos, assustados, não conseguissem dormir tamanho o barulho que de abrir e fechar portas que se escutava na casa que somente cessou ao amanhecer.

E assim se sucedeu repetidamente: Quando o dia amanhecia tudo ocorria tranquilo. Porém, quando a noite chegava, o barulho recomeçava e permanecia pela madrugada inteira, noite após noite...

E certa noite algo diferente aconteceu.

Numa pequena peça, ao lado da sala principal, onde Dona Martha havia organizado um espaço para as costuras, entre outros objetos ficava, claro, sua máquina de costurar.

A família que estava reunida na cozinha para o jantar, começou a ouvir o barulho da máquina, como se alguém estivesse costurando. Intrigados, foram até a peça e lá encontraram a máquina fechada. Ninguém estava costurando...

O tempo foi passando e a família, como era normal acontecer, também recebia visitas em casa.

Certa ocasião veio visitar os Barbosa um compadre que residia em uma localidade próxima, Fortaleza, antigo distrito de Tapes, hoje cidade de Cerro Grande do Sul.

Ele havia chegado com uma mala, preparado para permanecer alguns dias, pois precisava resolver algumas questões na cidade. Então, foi acomodado em um dos quartos da casa.

Mas a noite chegou...

O visitante relatou que durante a noite ouviu a porta de seu quarto abrir e viu uma mulher de branco adentrar, indo até o lado de sua cama. Em um primeiro momento ele chegou a pensar que poderia ser dona Martha precisando de alguma coisa, tentando explicar para si mesmo o inexplicável, ainda que estranhasse esse fato. Pouco tempo depois, através dos olhos semicerrados percebeu que não era a anfitriã que rondava sua cama.

Atemorizado, o visitante não conseguiu mais dormir durante a noite, ficou esperando ansiosamente o dia amanhecer. No dia seguinte, apressadamente, arrumou sua mala relatando ocorrido aos compadres e partiu rapidamente.

Mas a vida seguia seu rumo. Então, o dia de finados chegou.

Os empregados que trabalhavam no armazenamento e na confecção dos fardos de crina junto ao depósito da fazenda, chamados crineiros, impossibilitados de sair da fazenda no dia de finados devido ao trabalho e pela dificuldade de deslocamento, pois na época não havia estradas e sair da fazenda somente era possível com o uso de charrete, cavalo, ou barco, mas no desejo de homenagearem seus familiares e amigos mortos, levaram várias velas até dona Martha e pediram que ela as acendesse junto ao oratório de Santo Antônio que eles sabiam existir na casa. Ela, sensibilizada, não viu nenhum problema em atender ao pedido do crineiros, e assim o fez.

A noite chegou...e com ela outros acontecimentos.

Sueldir relata que não conseguiram dormir naquela noite devido a procissão de inúmeros vultos vestidos de branco que passavam ao lado da cama de seus pais em direção ao oratório, sem que eles soubessem como agir.

Apesar de tudo que vinha ocorrendo a vida seguiu e a família continuou a conviver com o inexplicável.

O tempo foi passando e nossa narradora ficou moça, namorou e depois de um tempo noivou com Elemar Alves, que ia visitá-la na fazenda utilizando um barco para chegar até lá, pois era um dos transportes utilizados para a ida até a sede da Fazenda Santo Antônio.

Ao redor da casa da fazenda haviam figueiras centenárias. Numa tarde de verão em que estavam sentados embaixo de uma grande e antiga figueira que ficava ao lado da casa, Elemar, que estava visitando a noiva, relata que de repente começaram a ouvir barulhos de pedras sendo arremessadas, sendo que o barulho das pedras batendo nos galhos da figueira era ouvido por todos que ali se encontravam.

Assustados, e sem nada entender, foram verificar de onde estavam atirando as pedras. Porém, nada foi encontrado...

Minha mãe, hoje já falecida, contava que quando morou na fazenda não conseguia dormir devido ao barulho de correntes arrastando pela casa.

Numa outra ocasião, um empregado pediu para tomar água na cozinha onde havia um filtro de barro. Quando estava se servindo, sentiu uma presença ao seu lado. Em seguida ouviu uma voz sussurrando ao seu ouvido: - “se tiver coragem, me siga”.

O homem, apavorado, olhou para todos os lados, mas nada viu.

II - E A VIDA SEGUIU...

O tempo passou e a família permaneceu na casa, organizando sua rotina.

Seu Lino desmanchou os restos da senzala, e no local fez uma horta. Em frente à casa dona Martha fez um jardim.

Dona Martha lecionava na escola próxima a casa da fazenda e, também, em outra escola mais distante, para a qual se deslocava de charrete, e nesse período em que moraram na fazenda teve mais dois filhos.

Com o passar do tempo, sem uma explicação maior, as manifestações desapareceram.

Sueldir aos 23 anos, casou-se com Elemar, e a festa foi na casa da fazenda. Depois foram morar no centro da cidade, mas sempre iam visitar seus pais, mesmo depois do nascimento de seus filhos.

Na Fazenda ocorreu também a festa de comemoração de bodas de prata de dona Martha e seu Lino, com muitos convidados.

A família permaneceu na fazenda aproximadamente até 1967.

Desde então, não se ouviu mais nenhuma notícia de outras manifestações na casa da fazenda Santo Antônio.

Os fatos narrados aconteceram e foram testemunhados por muitas pessoas. Muitos acreditavam que havia alguma riqueza enterrada na fazenda. Inclusive, a maior figueira teve muitas escavações a sua volta, e também isso aconteceu em outros locais, mas nada foi encontrado.

Qual seria a explicação para todos esses fatos?

Este é um mistério que ainda hoje permanece no imaginário popular, sem explicação. Várias pessoas que residiram na casa da fazenda davam relatos como esse que aqui foi contado e que faz parte da história de Tapes. As pessoas com mais de 60 anos lembram de já ter ouvido muitas histórias sobre os acontecimentos na Fazenda Santo Antônio.

Hoje Sueldir está com 83 anos e Elemar com 86 anos. Tem quatro filhos, três homens e uma mulher. Muitos netos e bisnetos, e seguem felizes em seu casamento.

A sede da fazenda passou por reformas e hoje abriga um escritório e o restaurante do camping dos Pinheirais, que fica no local e recebe muitos turistas e moradores locais, especialmente no verão.

(Entrevista oral realizada com Sueldir Barbosa Alves e Elemar Alves, na cidade de Tapes-RS, no dia 15 de junho/22.)

Por Francesca Mondadori

domingo, 23 de abril de 2023

Contos do Curso de Formação Folclórica de 2022

        Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.

O conto deste dia é de Katia Cristine Castilhos Ramos


JOSÉ MARIA: O MONGE MENDIGO.

           Havia um tempo em que um certo Monge caminhava pelos campos, pelas vilas e fazendas (estancias), realizando orações, chás, benzeduras, previsões e até curas de doenças.

Sua fama foi longe, por onde ele chegava era muito bem recebido, e tudo o que ele precisava era de alimento e água, que sempre era doado por seus admiradores. Roupas e calçados ele nem queria, usava os mesmos, trocava às vezes, mas sempre vestia roupas e calçados usados e simples.

Por muitos era considerado um Santo, quando chegava nas vilas, logo juntavam muitas pessoas ao seu redor, dentre eles admiradores, curiosos e até quem duvidasse dos feitos do Monge.

Certo dia, ele chegou nos campos de Lages, mais precisamente próximo ao Rio das Caveiras (atualmente Rio Caveiras), e ali foi muito bem recebido, desde as famílias mais abastadas até os ranchos mais humildes.

Em sua passagem pela região chegou à casa de uma família abastada, e foi muito mal recebido pela dona da casa a Sr. Henriqueta, esposa do Sr. Fermino. Naquele dia o Sr. Fermino estava no campo e a Dona. Henriqueta não sabia da presença do Monge na região, e se assustou ao ver aquele homem maltrapilho pedindo comida e pouso.

Assim pediu o Monge:

- Senhora todos me conhecem por Monge João Maria! Sou uma pessoa humilde, e só lhe peço comida e pouso por esta noite... Na vila falaram que o Sr. Fermino, poderia me receber e dar um pouso por esta noite.

A senhora desconfiada assim, retrucou:

- O meu esposo não se encontra em casa.

- E o senhor não parece um Monge, parece mais um mendigo, todo esfarrapado.

- Se quiser pode ir esperar o Fermino no galpão... Lá com os porcos (risos)...

Neste momento o Monge João Maria, respirou fundo e seguiu em direção ao galpão, se alojou e aguardou a chegada do Sr. Fermino.

Próximo ao anoitecer o Sr. Fermino chegou, e logo foi surpreendido pela esposa Sra. Henriqueta, que veio aos gritos:

- Marido, Marido, tem um mendigo no galpão, e você não me traga esse homem para dentro de nossa casa, senão eu e as crianças saímos de casa hoje mesmo.

O Sr. Fermino, apavorado e não acreditando na ação de sua esposa, falou:

- Mulher deve ser o Monge João Maria! Ele estava na Vila, e vinha para essas bandas!

A Dona Henriqueta, ainda desconfiada:

- Marido não caia nessa conversa, esse é um mendigo, ou até um malfeitor!

O Sr. Fermino saiu apressado para o galpão e nada respondeu a Henriqueta. Chegando no galpão, encontrou o Monge João Maria, e logo pediu desculpas pela ignorância de sua esposa, e trouxe comida, água, roupas limpas e cobertas para se cobrir naquele dia frio.

Assim falou Fermino:

- Monge João Maria peço perdão pelas atitudes e palavras da minha esposa Henriqueta, ela não sabe o que fala. Ela é um pouco arrogante, mas tem um bom coração.

O Monge falou o seguinte:

- Sr. Fermino o senhor é que tem bom coração, e merece o Reino dos Céus, já sua esposa é uma pessoa de coração de pedra, e nem perto do céu chegará.

A noite veio e o Sr. Fermino e o Monge conversaram muito, e logo foram descansar por que tinham que acordar cedo no dia seguinte, que era Domingo de Ramos.

Na manhã seguinte o Monge e o Sr. Fermino acordaram cedo antes do sol nascer. O Monge se despediu de Fermino, e muito grato o abençoou, e seguiu sua caminhada.

Dona Henrique, olhando pela fresta da janela, dá graças à Deus que aquele homem foi embora. E fala para Fermino:

- Marido! Crianças! Vamos de pressa tomar o desjejum para irmos à missa, e depois à quermesse na vila.

As crianças, um menino e uma menina, logo se sentaram à mesa, iniciaram a sua refeição, e o menino meio guloso, engasgou com um pedaço de carne, e o casal apavorado não conseguia desengasgar a criança, tal o tamanho desespero e nervosismo de ambos.

Os segundos pareciam eternos...

Dona Henriqueta numa luz de lucidez, lembrou do Monge/mendigo, que talvez ele poderia ajudar, porque a criança estava prestes a morrer. Seu esposo Fermino, pegou a charrete e saiu desesperado pela estrada à fora atrás do Monge João Maria. E por sorte logo, o encontrou, ele estava orando e vendo o nascer do sol.

Fermino gritou aos prantos:

- Monge! Monge! Monge! Meu filho está engasgado e está morrendo. Por tudo o que é mais sagrado, precisamos de sua ajuda!

O Monge em sua paciência disse:

- Fermino, você me recebeu muito bem, me deu alimento, água, roupas limpas, pouso, e a sua amizade. Mas sua esposa Henriqueta, me deu só desprezo e zombaria... Mas como sou homem de Deus, ajudá-lo em respeito a sua pessoa e ao pobre anjo que não tem culpa de nada.

O Monge entrou na charrete, e já começou a orar e clamar à Deus pela vida desta criança. E logo chegaram à casa, onde a criança estava em seus últimos suspiros. E o Monge pegou na cabeça da criança, e deu três tapas nas costas da criança, e clamou a Deus sua intercessão.

- Deus tem piedade deste anjo!!

- É por tua vontade e tuas mãos!!

De relancina um clarão apareceu naquele local, e o pedaço de carne saltou longe, e a criança caiu ao chão chorando e exausta.

Os presentes, gritavam, choravam, e agradeciam ao Monge João Maria e à Deus, por sua bondade e intercessão...

O Sr. Fermino e a Dona Henriqueta, caíram aos pés do Monge, agradecidos... E principalmente Henriqueta, pedindo perdão por sua atitude de palavras rudes com o Monge... O Sr. Fermino queria pagar o Monge:

- Monge João Maria aceite tudo o que tenho em pagamento, pelo senhor devolver à vida ao meu filho.

O Monge em sua paciência disse:

- Sempre ajudem a quem precisa, seja bom de coração e orem à Deus... A minha missão é fazer o bem, sem receber nada além do necessário. O senhor já me pagou, quando me recebeu bem...

E na sequência, todos fizeram o desjejum juntos.

E antes de ir embora o Monge teve algumas visões/previsões do futuro:

- “Chegará um dia em que as estradas serão cobertas de luto...

- Chegará um dia em que os gafanhotos destruirão os pinheirais...

- E onde eu enterrar uma cruz de pau-ferro logo nascerá uma fonte

de água pura e límpida.”

Após isso, o Monge despediu-se e abençoou este lugar, e seguiu seu caminho de luz e espalhando esperança por estes rincões.

 

(Texto baseado numa história real, do final do século XIX, na Região de Lages. A pessoa entrevistada é o meu pai o Sr. Fermino Muniz Ramos, com idade de 87 anos, que sempre conta para toda à família sobre a passagem do Monge João Maria pela casa de seus avós Fermino e Henriqueta).


Por Francesca Mondadori

domingo, 16 de abril de 2023

Contos do Curso de Formação Folclórica de 2022

       Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.

    Para o dia de hoje, vamos com o conto de Jairo Luiz Alves Bitello.


                                            OS CARRETEIROS E A BODEGA DO DORCELINO

     A Bodega do Dorcelino encontrava-se próximo da localidade do Morro Agudo, área rural da cidade de Gravataí, divisa com a cidade de Novo Hamburgo, onde era passagem obrigatória dos carreteiros que vinham de Campo Bom, Lomba Grande, Taquara e outras tantas cidades, com mercadorias para vender em Porto Alegre, Cachoeirinha, Esteio e outras localidades.

     Como passavam muito cedo, por volta das três horas da madrugada, o seu Dorcelino como era chamado, encarregou Breno, seu filho mais velho, por apelido Brenão, por ser alto e magro, com treze anos de idade,  de abrir a Bodega (armazém) para atender os carreteiros que ali paravam, para dar um fôlego (forgo) nos bois e esperar algum carreteiro atrasado para seguir viagem juntos, e tomar um trago (cachaça) ou um café, principalmente no inverno, eles também pegavam alguns mantimentos (fiambre) para a viagem.

     Logo que os carreteiros seguiam o seu destino, o menino voltava pra cama dormir e recuperar o sono, pois, sua tarefa estava cumprida e poderia dormir até um pouco mais tarde, sem prejuízo aos estudos, que  por sorte, as aulas não eram no turno da manhã. O pagamento quase sempre acontecia, no retorno das viagens, dois ou três dias depois, quando voltavam com dinheiro da venda das mercadorias. Conforme Brenão, os carreteiros pagavam tudo certinho. Foi quando, em uma ocasião, seu pai ficou doente e teve que ir para a cidade com sua mãe fazer um tratamento médico, onde passaria alguns dias em casa de parentes, Breno vendo que estava faltando mercadorias no armazém, ele mesmo de carreta, foi buscar os produtos faltantes no centro da cidade de Gravataí, sendo que, já conhecia o local por ter ido algumas vezes com seu pai, e quando parou a carreta em frente do estabelecimento onde iria fazer as compras, estava ali, seu Dorcelino, com ares de furioso, olhando firmemente para o filho, Breno quase desmaiou, pois conhecia o pai que tinha, muito rígido e bravo, seu pai, como já estava retornado pra casa aproveitou pra fazer algumas compras, justamente para a sua bodega, furioso pela atitude de seu filho, mas no fundo, com orgulho de ver seu filho já um homem, e com a ajuda da mãe, Breno foi salvo, e a partir desse dia, Brenão  passou a ser o carreteiro da família.

     E trabalhando muito, adquiriu sua própria carreta e uma junta de bois azebuados, assim ele transportava as quitandas para vender na cidade, e trazia novos produtos para sortir a Bodega do pai, passando a ser então, mais um carreteiro como seus amigos. E o trabalho de levantar cedo pra atender os carreteiros passou para um de seus irmãos.

Carreteiro entrevistado:  Breno Antônio da Silva.


Por Francesca Mondadori

terça-feira, 11 de abril de 2023

Contos do Curso de Formação Folclórica de 2022

 Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.

   Começamos com o trabalho de Beatriz Regina Krug Colombeli. Boa leitura!


A menina milagrosa

O tempo corre como um rio e leva nas suas correntezas, histórias que ficam registradas às suas margens. E, num rio chamado Taquari, que corta terras do município de Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul, surge esta história que está sepultada em um túmulo, porém mantém-se viva no imaginário de sua gente e aguça a fé de muita gente.

Contam os moradores que, “eram tempos de movimentação intensa, por volta de 1940”, no Porto de Vila Mariante, 2º Distrito de Venâncio Aires, e muitos pescadores, por ali navegavam. Entre estes pescadores estavam “Cecino do Couto e Cazuza”, nome ou apelido, do segundo, não se sabe ao certo. Quem recorda do fato, ainda da infância, é “José Silvio do Couto, filho de Cecino, atualmente, com 71 anos”.

Um certo dia, navegando por aquelas águas calmas, os dois pescadores avistaram algo boiando no rio. Ao se aproximarem avistaram uma gamela. Para surpresa dos pescadores, dentro dela havia um bebê, “ainda com o cordão umbilical.”


A funcionária pública Estela Maris de Freitas, 52 anos, relatou que Pedrolina da Fonseca Coutinho, que faleceu em março de 2019, aos 102 anos, natural de Linha Chafariz, onde morou durante décadas, costumava relatar inúmeros ‘causos’ da região ribeirinha. A história em torno da ‘menina milagrosa’ era uma delas.

(Débora Kist – jornalista)


De imediato os dois pescadores recolheram a gamela com a criança e quando alcançaram o objeto viram que se tratava de uma menina, de cor branca, mas já sem vida. Os pescadores recolheram a gamela com o corpo e direcionaram o barco para as margens do rio.

Próximo das margens morava um certo “Rodolfo Roberto Schroeder”, proprietário de terras. Em suas terras, na divisa de Linha Chafariz e Linha Castelhano, também no município de Venâncio Aires, ele enterrou o corpo da criança, “há mais de 70 anos.”

Os dias foram passando e os moradores das redondezas começaram a ouvir o choro de uma criança. No entendimento deles, era da menina ali enterrada, pois ela estaria pedindo para ser batizada. Contam que a população da localidade chamou um padre para fazer o batismo da criança. Esta recebeu o nome de Maria.


Durante décadas, a criança não teve um túmulo. Apenas uma laje indicava o local. Lucila Lopes da Silva conta que familiares de Rodolfo Roberto Schroeder, que moram em Porto Alegre, enviaram dinheiro para a construção de uma sepultura.

(Débora Kist – jornalista)



Os anos se passaram e no local foi construída há uma pequena gruta doada por moradores daquela localidade. Na gruta estão as imagens de “Nossas Senhoras do Rosário e Aparecida, além da estátua de um anjo”.  Também, no local além de vasos de flores, são depositados brinquedos, mamadeiras e até chupetas, como pagamento de promessas, ou pedidos à Menina Milagrosa.


A menina milagrosa ainda mobiliza uma comunidade, atrai curiosos e mexe com algo caro para muitos (a fé). Isso precisa ser considerado e respeitado.

(Débora Kist – jornalista)

 Por Francesca Mondadori