Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.
O conto deste dia é de Katia Cristine Castilhos Ramos
JOSÉ MARIA: O MONGE MENDIGO.
Havia um tempo em que um certo Monge caminhava pelos campos, pelas vilas e fazendas (estancias), realizando orações, chás, benzeduras, previsões e até curas de doenças.
Sua fama foi longe, por onde ele chegava era muito bem recebido, e tudo o que ele precisava era de alimento e água, que sempre era doado por seus admiradores. Roupas e calçados ele nem queria, usava os mesmos, trocava às vezes, mas sempre vestia roupas e calçados usados e simples.
Por muitos era considerado um Santo, quando chegava nas vilas, logo juntavam muitas pessoas ao seu redor, dentre eles admiradores, curiosos e até quem duvidasse dos feitos do Monge.
Certo dia, ele chegou nos campos de Lages, mais precisamente próximo ao Rio das Caveiras (atualmente Rio Caveiras), e ali foi muito bem recebido, desde as famílias mais abastadas até os ranchos mais humildes.
Em sua passagem pela região chegou à casa de uma família abastada, e foi muito mal recebido pela dona da casa a Sr. Henriqueta, esposa do Sr. Fermino. Naquele dia o Sr. Fermino estava no campo e a Dona. Henriqueta não sabia da presença do Monge na região, e se assustou ao ver aquele homem maltrapilho pedindo comida e pouso.
Assim pediu o Monge:
- Senhora todos me conhecem por Monge João Maria! Sou uma pessoa humilde, e só lhe peço comida e pouso por esta noite... Na vila falaram que o Sr. Fermino, poderia me receber e dar um pouso por esta noite.
A senhora desconfiada assim, retrucou:
- O meu esposo não se encontra em casa.
- E o senhor não parece um Monge, parece mais um mendigo, todo esfarrapado.
- Se quiser pode ir esperar o Fermino no galpão... Lá com os porcos (risos)...
Neste momento o Monge João Maria, respirou fundo e seguiu em direção ao galpão, se alojou e aguardou a chegada do Sr. Fermino.
Próximo ao anoitecer o Sr. Fermino chegou, e logo foi surpreendido pela esposa Sra. Henriqueta, que veio aos gritos:
- Marido, Marido, tem um mendigo no galpão, e você não me traga esse homem para dentro de nossa casa, senão eu e as crianças saímos de casa hoje mesmo.
O Sr. Fermino, apavorado e não acreditando na ação de sua esposa, falou:
- Mulher deve ser o Monge João Maria! Ele estava na Vila, e vinha para essas bandas!
A Dona Henriqueta, ainda desconfiada:
- Marido não caia nessa conversa, esse é um mendigo, ou até um malfeitor!
O Sr. Fermino saiu apressado para o galpão e nada respondeu a Henriqueta. Chegando no galpão, encontrou o Monge João Maria, e logo pediu desculpas pela ignorância de sua esposa, e trouxe comida, água, roupas limpas e cobertas para se cobrir naquele dia frio.
Assim falou Fermino:
- Monge João Maria peço perdão pelas atitudes e palavras da minha esposa Henriqueta, ela não sabe o que fala. Ela é um pouco arrogante, mas tem um bom coração.
O Monge falou o seguinte:
- Sr. Fermino o senhor é que tem bom coração, e merece o Reino dos Céus, já sua esposa é uma pessoa de coração de pedra, e nem perto do céu chegará.
A noite veio e o Sr. Fermino e o Monge conversaram muito, e logo foram descansar por que tinham que acordar cedo no dia seguinte, que era Domingo de Ramos.
Na manhã seguinte o Monge e o Sr. Fermino acordaram cedo antes do sol nascer. O Monge se despediu de Fermino, e muito grato o abençoou, e seguiu sua caminhada.
Dona Henrique, olhando pela fresta da janela, dá graças à Deus que aquele homem foi embora. E fala para Fermino:
- Marido! Crianças! Vamos de pressa tomar o desjejum para irmos à missa, e depois à quermesse na vila.
As crianças, um menino e uma menina, logo se sentaram à mesa, iniciaram a sua refeição, e o menino meio guloso, engasgou com um pedaço de carne, e o casal apavorado não conseguia desengasgar a criança, tal o tamanho desespero e nervosismo de ambos.
Os segundos pareciam eternos...
Dona Henriqueta numa luz de lucidez, lembrou do Monge/mendigo, que talvez ele poderia ajudar, porque a criança estava prestes a morrer. Seu esposo Fermino, pegou a charrete e saiu desesperado pela estrada à fora atrás do Monge João Maria. E por sorte logo, o encontrou, ele estava orando e vendo o nascer do sol.
Fermino gritou aos prantos:
- Monge! Monge! Monge! Meu filho está engasgado e está morrendo. Por tudo o que é mais sagrado, precisamos de sua ajuda!
O Monge em sua paciência disse:
- Fermino, você me recebeu muito bem, me deu alimento, água, roupas limpas, pouso, e a sua amizade. Mas sua esposa Henriqueta, me deu só desprezo e zombaria... Mas como sou homem de Deus, ajudá-lo em respeito a sua pessoa e ao pobre anjo que não tem culpa de nada.
O Monge entrou na charrete, e já começou a orar e clamar à Deus pela vida desta criança. E logo chegaram à casa, onde a criança estava em seus últimos suspiros. E o Monge pegou na cabeça da criança, e deu três tapas nas costas da criança, e clamou a Deus sua intercessão.
- Deus tem piedade deste anjo!!
- É por tua vontade e tuas mãos!!
De relancina um clarão apareceu naquele local, e o pedaço de carne saltou longe, e a criança caiu ao chão chorando e exausta.
Os presentes, gritavam, choravam, e agradeciam ao Monge João Maria e à Deus, por sua bondade e intercessão...
O Sr. Fermino e a Dona Henriqueta, caíram aos pés do Monge, agradecidos... E principalmente Henriqueta, pedindo perdão por sua atitude de palavras rudes com o Monge... O Sr. Fermino queria pagar o Monge:
- Monge João Maria aceite tudo o que tenho em pagamento, pelo senhor devolver à vida ao meu filho.
O Monge em sua paciência disse:
- Sempre ajudem a quem precisa, seja bom de coração e orem à Deus... A minha missão é fazer o bem, sem receber nada além do necessário. O senhor já me pagou, quando me recebeu bem...
E na sequência, todos fizeram o desjejum juntos.
E antes de ir embora o Monge teve algumas visões/previsões do futuro:
- “Chegará um dia em que as estradas serão cobertas de luto...
- Chegará um dia em que os gafanhotos destruirão os pinheirais...
- E onde eu enterrar uma cruz de pau-ferro logo nascerá uma fonte
de água pura e límpida.”
Após isso, o Monge despediu-se e abençoou este lugar, e seguiu seu caminho de luz e espalhando esperança por estes rincões.
(Texto baseado numa história real, do final do século XIX, na Região de Lages. A pessoa entrevistada é o meu pai o Sr. Fermino Muniz Ramos, com idade de 87 anos, que sempre conta para toda à família sobre a passagem do Monge João Maria pela casa de seus avós Fermino e Henriqueta).
Por Francesca Mondadori
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