domingo, 23 de abril de 2023

Contos do Curso de Formação Folclórica de 2022

        Como forma de preservar e valorizar as manifestações culturais populares do Rio Grande do Sul, despertar o interesse e o gosto pelo folclore regional, bem como enriquecer o conhecimento de novos integrantes, a Comissão Gaúcha de Folclore disponibiliza o Curso de Formação Folclórica, todos os anos. Ao final do curso é solicitado um trabalho que, no ano de 2022, foi sobre a pesquisa e elaboração de um conto local.

O conto deste dia é de Katia Cristine Castilhos Ramos


JOSÉ MARIA: O MONGE MENDIGO.

           Havia um tempo em que um certo Monge caminhava pelos campos, pelas vilas e fazendas (estancias), realizando orações, chás, benzeduras, previsões e até curas de doenças.

Sua fama foi longe, por onde ele chegava era muito bem recebido, e tudo o que ele precisava era de alimento e água, que sempre era doado por seus admiradores. Roupas e calçados ele nem queria, usava os mesmos, trocava às vezes, mas sempre vestia roupas e calçados usados e simples.

Por muitos era considerado um Santo, quando chegava nas vilas, logo juntavam muitas pessoas ao seu redor, dentre eles admiradores, curiosos e até quem duvidasse dos feitos do Monge.

Certo dia, ele chegou nos campos de Lages, mais precisamente próximo ao Rio das Caveiras (atualmente Rio Caveiras), e ali foi muito bem recebido, desde as famílias mais abastadas até os ranchos mais humildes.

Em sua passagem pela região chegou à casa de uma família abastada, e foi muito mal recebido pela dona da casa a Sr. Henriqueta, esposa do Sr. Fermino. Naquele dia o Sr. Fermino estava no campo e a Dona. Henriqueta não sabia da presença do Monge na região, e se assustou ao ver aquele homem maltrapilho pedindo comida e pouso.

Assim pediu o Monge:

- Senhora todos me conhecem por Monge João Maria! Sou uma pessoa humilde, e só lhe peço comida e pouso por esta noite... Na vila falaram que o Sr. Fermino, poderia me receber e dar um pouso por esta noite.

A senhora desconfiada assim, retrucou:

- O meu esposo não se encontra em casa.

- E o senhor não parece um Monge, parece mais um mendigo, todo esfarrapado.

- Se quiser pode ir esperar o Fermino no galpão... Lá com os porcos (risos)...

Neste momento o Monge João Maria, respirou fundo e seguiu em direção ao galpão, se alojou e aguardou a chegada do Sr. Fermino.

Próximo ao anoitecer o Sr. Fermino chegou, e logo foi surpreendido pela esposa Sra. Henriqueta, que veio aos gritos:

- Marido, Marido, tem um mendigo no galpão, e você não me traga esse homem para dentro de nossa casa, senão eu e as crianças saímos de casa hoje mesmo.

O Sr. Fermino, apavorado e não acreditando na ação de sua esposa, falou:

- Mulher deve ser o Monge João Maria! Ele estava na Vila, e vinha para essas bandas!

A Dona Henriqueta, ainda desconfiada:

- Marido não caia nessa conversa, esse é um mendigo, ou até um malfeitor!

O Sr. Fermino saiu apressado para o galpão e nada respondeu a Henriqueta. Chegando no galpão, encontrou o Monge João Maria, e logo pediu desculpas pela ignorância de sua esposa, e trouxe comida, água, roupas limpas e cobertas para se cobrir naquele dia frio.

Assim falou Fermino:

- Monge João Maria peço perdão pelas atitudes e palavras da minha esposa Henriqueta, ela não sabe o que fala. Ela é um pouco arrogante, mas tem um bom coração.

O Monge falou o seguinte:

- Sr. Fermino o senhor é que tem bom coração, e merece o Reino dos Céus, já sua esposa é uma pessoa de coração de pedra, e nem perto do céu chegará.

A noite veio e o Sr. Fermino e o Monge conversaram muito, e logo foram descansar por que tinham que acordar cedo no dia seguinte, que era Domingo de Ramos.

Na manhã seguinte o Monge e o Sr. Fermino acordaram cedo antes do sol nascer. O Monge se despediu de Fermino, e muito grato o abençoou, e seguiu sua caminhada.

Dona Henrique, olhando pela fresta da janela, dá graças à Deus que aquele homem foi embora. E fala para Fermino:

- Marido! Crianças! Vamos de pressa tomar o desjejum para irmos à missa, e depois à quermesse na vila.

As crianças, um menino e uma menina, logo se sentaram à mesa, iniciaram a sua refeição, e o menino meio guloso, engasgou com um pedaço de carne, e o casal apavorado não conseguia desengasgar a criança, tal o tamanho desespero e nervosismo de ambos.

Os segundos pareciam eternos...

Dona Henriqueta numa luz de lucidez, lembrou do Monge/mendigo, que talvez ele poderia ajudar, porque a criança estava prestes a morrer. Seu esposo Fermino, pegou a charrete e saiu desesperado pela estrada à fora atrás do Monge João Maria. E por sorte logo, o encontrou, ele estava orando e vendo o nascer do sol.

Fermino gritou aos prantos:

- Monge! Monge! Monge! Meu filho está engasgado e está morrendo. Por tudo o que é mais sagrado, precisamos de sua ajuda!

O Monge em sua paciência disse:

- Fermino, você me recebeu muito bem, me deu alimento, água, roupas limpas, pouso, e a sua amizade. Mas sua esposa Henriqueta, me deu só desprezo e zombaria... Mas como sou homem de Deus, ajudá-lo em respeito a sua pessoa e ao pobre anjo que não tem culpa de nada.

O Monge entrou na charrete, e já começou a orar e clamar à Deus pela vida desta criança. E logo chegaram à casa, onde a criança estava em seus últimos suspiros. E o Monge pegou na cabeça da criança, e deu três tapas nas costas da criança, e clamou a Deus sua intercessão.

- Deus tem piedade deste anjo!!

- É por tua vontade e tuas mãos!!

De relancina um clarão apareceu naquele local, e o pedaço de carne saltou longe, e a criança caiu ao chão chorando e exausta.

Os presentes, gritavam, choravam, e agradeciam ao Monge João Maria e à Deus, por sua bondade e intercessão...

O Sr. Fermino e a Dona Henriqueta, caíram aos pés do Monge, agradecidos... E principalmente Henriqueta, pedindo perdão por sua atitude de palavras rudes com o Monge... O Sr. Fermino queria pagar o Monge:

- Monge João Maria aceite tudo o que tenho em pagamento, pelo senhor devolver à vida ao meu filho.

O Monge em sua paciência disse:

- Sempre ajudem a quem precisa, seja bom de coração e orem à Deus... A minha missão é fazer o bem, sem receber nada além do necessário. O senhor já me pagou, quando me recebeu bem...

E na sequência, todos fizeram o desjejum juntos.

E antes de ir embora o Monge teve algumas visões/previsões do futuro:

- “Chegará um dia em que as estradas serão cobertas de luto...

- Chegará um dia em que os gafanhotos destruirão os pinheirais...

- E onde eu enterrar uma cruz de pau-ferro logo nascerá uma fonte

de água pura e límpida.”

Após isso, o Monge despediu-se e abençoou este lugar, e seguiu seu caminho de luz e espalhando esperança por estes rincões.

 

(Texto baseado numa história real, do final do século XIX, na Região de Lages. A pessoa entrevistada é o meu pai o Sr. Fermino Muniz Ramos, com idade de 87 anos, que sempre conta para toda à família sobre a passagem do Monge João Maria pela casa de seus avós Fermino e Henriqueta).


Por Francesca Mondadori

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